terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Estante

      Queria de qualquer forma ser um vencedor. Apesar dos pesares acreditava que iria ser alguém importante. Quem sabe um dia o seu nome não seja dado a alguma rua, avenida, ou até mesmo um bairro? Sonhava com os seus dias de glória, mas, apesar de sonhar, era honesto, não iria passar a perna em ninguém. Por isso que seu nome não manchará de esquecimento nenhuma rua, só lhe resta um fim trágico, como a vida que é dramática e portuguesa (não sei para quê tantas besteiras).

     Como todo dia acordou cedo, às quatro horas, a fim de trabalhar nos seus escritos. Riscou o fósforo para acender a vela que roubou do cruzeiro do cemitério, no Brasil todo dia é dia das almas, vela nunca iria lhe faltar. Tinham lhe cortado a luz, assim como a água. Gás ele não precisava, já que não tinha nada para cozer. Quando a sua fome apertava, ele procurava comida nos sacos de lixo, restos de comida estragada que seus vizinhos jogavam fora. Estes, por sua vez, passaram a não jogar mais os restos no lixo, queriam que ele definhasse que morresse com falência múltipla de órgãos, seria ótimo para as suas vidinhas vazias.

     Mesmo com o seu toco de vela e a fome apertando-lhe as entranhas foi escrever. Gastou três folhas numa estúpida estória de amor. Rasgou as folhas. Lembrou que seu último lançamento fora um fracasso. O que será que acontecia? Ele era um misto de Kafka, Machado e Rosa (como é possível?!). Ninguém o lê. Ficou ali quase em estado de putrefação.

    Saiu pelas ruas. Todos queriam-lhe em suas estantes. Como em revolta os vizinhos avançaram em cima de seu corpo magrelo, feito bestas insaciáveis para lerem as linhas de seu corpo, arrancam-lhe os membros, em um sinal de regozijo religioso.

    Miss Fiesguer pegou a parte que lhe cabia. Ávida pegou o membro desfalecido em suas mãos, chupou feito pirulito (lembrem-se que não é pecado, diz o senhor Pastor) e levou para sua casa, parecia que tinha vida própria, pois intumesceu, e túrgido a cara senhora enfiou o nabo entre as suas pernas enquanto tocava a nona sinfonia de Beethoven em seu piano alemão, estremecendo de gozo e satisfação.

   No final Sigismunda segurava a cabeça (parte alta do corpo, é claro, Miss Fiesguer nunca abrirá mão, ou os lábios, para deixar a cabeça grotesca solta por aí, pois sonhava com algo duro em sua vida há tempos) e perguntava-se com o seu bafo de barata:

   – Despersonalizou-se? Arrancando-lhe um beijo de seus beiços frigidos pela frieza da morte.

   Neste momento observava-se um sorriso maroto nos lábios de seu crânio, afinal morrera sorrindo, não sabia que era tão amado.

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