sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Volta mundo, volta!



A casa está vazia. Minha mulher foi pra Goiás. Pai Marcão com suas cartas de tarô tirou a pessoa amada de mim em apenas cinco dias, olha que nem precisei soltar o cheque pré-datado, ele a levou na vista de quem quisesse olhar. Ele é rápido no gatilho, levou meu dinheiro, minha mulher e o meu amado e querido gato. Numa hora dessas deve estar devorando-a pouco a pouco, para que eles estejam alinhados como os planetas, talvez, assim, o mundo não acabe.
 Os Maias destruíram com a minha vida... O nó da gravata está apertado e por isso respiro a prestações. Será que minha vida presta para algo? Estou em débito com a vida ou é a vida que está comigo? Eu que vivi tão pouco! Volta mundo, volta!
Sinto-me ridículo ao tentar afrouxar a gravata. Meu mundo caiu... E ainda assim espero o fim do mundo em pé em cima de um banquinho. Se minha mulher estivesse aqui estaria alinhando o meu planeta na via láctea dela. No entanto, Pai Marcão foi mais esperto do que eu, ele deve estar alinhando nela constantemente, minha mulher é muito gostosa e essa é a minha maior lástima.
Sei que vou morrer hoje, pois é vinte um de dezembro de dois mil e doze e porque os Maias falaram, eram extraterrestres de inteligência acima da nossa, eles sabiam das coisas... E eu, como não sei de nada, quero partir com as reminiscências das coisas boas, do vinho francês que eu não sei pronunciar a marca, do terno italiano que nunca poderia comprar. Graças ao cartão de crédito pude realizar as minhas últimas vontades, Deus seja louvado! Se o mundo não acabar hoje... vou precisar louvar e muito.
O banquinho mexe um pouco e eu começo a tremer com medo de cair. Dou risadas nervosas, a gravata de seda italiana parece acariciar meu pescoço. Maldigo a minha condição social, é tão fácil se acostumar com coisas boas, o difícil é largar... Me vejo no espelho, pelo menos morrerei bem vestido, estou parecendo um galã de filme Hollywoodiano, tô a cara daquele ator... aquele tal de Bread Pit.
Bebo mais uns goles de vinho. Partirei de porre para a cova, mas, Ai meu Deus, se o mundo acabar não vai ter ninguém pra cavar! É, vou ter que apodrecer como um morto comum. Não, mortos comuns vão pra vala, eu não terei nem isso. Não poderei ser enterrado em pé, como fazem com os suicidas. Volta mundo, não me abandone...

A gravata me aperta. São meia noite e um minuto e o mundo não acabou. O relógio chega até a uma hora da manhã, mas nada aconteceu... Será que o relógio dos Maias não funcionava como o nosso? Ou o calendário deles está no horário de inverno? Dizem que antigamente o tempo passava mais devagar, talvez seja isso.
Um misto de alegria e de euforia tomou conta de mim. Foi quando me deparei com a minha imagem refletida no espelho, o terno italiano... Os Maias acabaram com minha vida, com o meu cartão de crédito, me deixaram em débito...
Dou o passo que me levará ao nada. A gravata estica e o laço aperta. Estou pendurado em meu ventilador de teto, tento morrer pra não prestar conta, ou melhor, não pagá-las. O aparelho não agüenta o meu peso e caio pesadamente no chão. Da aventura arriscada me sobra um galo na cabeça, talvez seja meu chifre apontando.
Estou sem mulher e, pior, sem meu gato, logo aquele meu lindo felino... A propaganda daquela agência publicitária estava certa: “Maias é o C******”, P****! Eu mato esse Pai Marcão, aquele Filho da Puta!




O vento levou



Don Plundiglione alisava a enorme barriga, farta de caviar e souvenir, além do vinho francês. É bom ser rico neste país, essa coisa da política rende muitos dividendos, caixas extras, cuecas recheadas e meias cheias, e não é de chulé... O excelentíssimo Pantalones (Armani, é claro, odiava aparentar ser popular em datas indevidas, em tempos de eleição tomava até banhos de álcool e creolina), chega com toda a sua pomba arrotando perdigotos...
– A benção, padrim!
Don Plundiglione, após abençoar e todos beijarem sua mão, retira do bolso de seu fraque o lenço rubro e limpa a baba que estava melando o seu anel de ouro maciço com uma pedra de rubi, jóia esta comprada em Miami.    
– Filhos, la vita é bella, viemos aqui parlare sobre nuestros salários.
Neste macarrone, Don Plundiglione laconicamente começava a reunião, ele não tinha papas na língua, somente resquícios de caviar... Satãna argumentava sobre os seus direitos de consumidor, já que era ele que estava defendendo o seu umbigo.
– Nóis tamu certo, os eleitor vendi os voto, nóis compra e faiz o que nóis quer! Quando compra um produto podi fazê o que quer!
Tonim Bad Boy batia bafo com notas de cem reais competindo com Augustus. Apostaram o vintém, Augustus ganhou e vitorioso grita:
– Dai a Cezar o que é de ... A frase foi interrompida com munhecaço que Tonim deu em seu maxilar (tadim do menino! Ainda não sabe perder...).
Augustus, o Cezar, e Don Plundiglione chegaram, com o apoio de todos, ao combinado de aumentar demasiadamente seus soldos, e o eleitor? Ah! Ele que se joda! Vai votar em nóis mesmo...
A turba abestada queimava Judas espantalhados do lado de fora, enquanto os verdadeiros estavam em assembléia, não dos ratos (não seriam tão dignos para tanto).  Todos se olhavam, perdidos, perguntando: onde está o dinheiro? Ah! O vento levou... E o povo? Vai continuar tomando no Tongo...  

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Minha pombinha da discórdia


Sei, mon amour, que a culpa de nossa desgraça repousa em meus ombros. Sou o único culpado e pagarei caro por isso. Não fugirei, nem implorarei por minha vida. Estou enfurnado entre quatro paredes, preso para sempre, como naquela música do Paul McCartney de que eu gosto tanto, e ao som da qual, muitas vezes, fizemos amor, mas, ao contrário da “Band on the run”, não sairei daqui, não há esperança de fuga.
De mim, de nós, só restará esta carta que algum dia, creio eu, quedará em suas mãos. Isso, é claro, se ela não for extraviada, destruída, deturpada. Minha Paloma, como sabe, palavras podem se desmanchar no ar, ou nas gavetas, as traças existem para isso.
Não pensei que um inocente cigarro causaria a nossa desgraça. Não foi por mal, muito menos por bem, que eu o acendi. Estávamos absortos no “je vais, je vais et je viens entre tes reins”. Além de que escutávamos “Je t’aime... Moi non plus”, de Serge Gainsbourg, por isso a citação, minha pequerrucha ... Tudo parecia perfeito! Quando dei por mim, nossa cama estava em chamas e não era de paixão. Nosso inferno particular começou nessa hora.
Notícias correm rápido, Ma petite colombe de la discorde, mal saímos do nosso quarto enfumaçado e somos capa do jornal de hoje. Nem vimos que fomos fotografados. Você nua e eu como nasci. Tarjas pretas tampam nossos sexos e os teus apetitosos e tesos bicos dos seios.
Hoje de manhã, seu marido me ligou. Falou que iria me destruir e que eu ofendera um cabra macho. Retruquei que ele estava mais para bovino, do que caprino, esquecera dos chifres? O que talvez tenha aumentado a sua ira. Ele descreveu minuciosamente o que faria com os meus órgãos genitais quando colocasse as mãos em mim. Estou tomando previdências para que isso não ocorra.
Reforcei as trancas da porta, na verdade, troquei a porta e a casa inteira. A nota fiscal do esconderijo à prova de bomba nuclear avisava que era impenetrável, nem a radiação, nem o seu marido vão pôr em risco a minha vida. Entretanto, sei que um marido nervoso e enganado, consumido pelo ódio, irá colocar todo este aço abaixo. Essa é a minha maior preocupação.
Sei que minha casa será tomada, mas será aos poucos. Primeiro a maçaneta, depois a porta. Ele tomará os ladrilhos com seus passos apressados e cada pó recôndito de minha residência. De nada adiantarão minhas súplicas e as paredes de metal. Não terei como fugir, estou acuado.
O modo como ele vai me tirar a vida me atordoa. Já sinto o cano frio da arma em minha nuca, ou será que ele me matará a facadas, contando, minuciosamente, o número de perfurações? Como Nelson Rodrigues avisou, Toda nudez será castigada. Basta estar pelado com a mulher dos outros e você verá.
Escuto alguém mexer na porta. Sinto minha respiração diminuir, mas ele desiste e se vai. Viverei aqui, trancafiado para sempre, até que um dia a morte me arraste para o seu fosso silencioso e escuro. Queria te ter em meus braços por mais uma vez, te dar carinho, mas a tranca da porta só abre após cem anos. Estou preso aqui. Se o seu marido não me matar antes, quando eu estiver velho, olharei tua foto, minha Paloma, na hora de minha morte, sabendo que você estará velha e enrugada e não será nem a sombra do que já foi. Meu olho deixará derramar a última lágrima e me entregarei vencido, pensar isso me alegra, me faz esquecer que meu fim será outro, mais trágico. Meu amor, adeus.

domingo, 17 de março de 2013

Ideias no seu lugar


Souberam que ele estaria lá, naquele banheiro público de shopping. Com seus cabelos alisados, e com a sua infeliz boca da qual só sai merda, no sentido literal da palavra. Depois de tudo que ele ousara falar em público, não poderia passar impune.
– Mayday, mayday! 171 falando!
– Na escuta, 171, aqui é o Ponta Grossa.
– O digníssimo se encontra no shopping, caminha com passos apressados, veste terno, e está com os cabelos empapados de laquê, ele fez a chapinha hoje! Está se dirigindo para o banheiro.
– Copiado, 171. Solta pra geral. Sinal verde para a operação “Ideias no seu lugar”. Cuidado pra não causar alarde. Ele pode se evadir do local.
– Ok, Ponta Grossa! Copiado e operando.
A notícia rolou solta nos walk talks dos celulares. Quando o digníssimo entrou no banheiro, quatro armários tamanho família o encurralaram em um canto.
– Seu fanfarrão de uma figa...
– O que-que que-e é?
Ponta Grossa, que tinha dois metros e meio só de músculo, pegou o digníssimo pelo colarinho e o suspendeu como se fosse um boneco desnutrido de Olinda.
– Como é? Tu não vai falar as mesmas coisas que disse lá não? Ou será que vou ter que te obrigar.
– Fa-falar o que-que?
– Cuidado, Ponta Grossa, o digníssimo vai te molhar...
– Como?
– O digníssimo acaba de mijar nas calças.
Ponta Grossa solta o digníssimo como um saco de batatas. Dá-lhe dois tabefes na cabeça.
– Só porque é político e presidente da Comissão dos Direitos Humanos, tu não pode sair falando assim da gente, seu mijão. Maldição patriarcal... parece que é doido.
– Vo-vocês têm que entender...
– Tem que entender uma ova. Ponta Grossa, vamos dar umas clareadas nas ideias dele.
O grupo não precisou ouvir mais nada. Pegaram as pernas do digníssimo e saíram puxando-o em direção ao vaso sanitário. Ele cravou as unhas no chão do banheiro e, por onde passava, deixava as marcas de suas unhas. Implorava pelo amor de Deus que o deixassem ir embora. Não contaria nada, mas de nada adiantou as suas súplicas.
Enquanto um vigiava a porta, dois seguravam suas pernas, mergulhando-o no vaso sanitário, e outro acionava o botão de descarga. Desentopem o vaso com sucesso e se evadem do local.
Sozinho no banheiro, o digníssimo, aos prantos, passa as mãos pelos seus cabelos, inconsolável. Balança a cabeça, não acreditando no que acontecera, era o maior desastre de sua vida.
– Ai, meu Deus, estragou a minha chapinha! 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Doze de Dezembro


Sento na cama e vejo TV. Acho que o mundo acabou faz tempo, desde o dia em que abaixei meu traseiro na frente disso, a TV levou o meu tempo, a minha vida... Agora por este aparelho desgraçado fico sabendo do fim! Serei dizimado como os dinossauros. Apenas um cometa pra levar tudo em apenas um segundo. Não bastava viver à espera de um desastre por causa da bomba nuclear, da de nêutron, ainda tinha que vir um cometa. Olha, cometa, não se faz de besta e entra pra greta, não sou anacoreta, a meditar preces, a suplicar salvações...
O que farei quando vir o fim despertar pela janela? Será que amei o suficiente e quando o fim chegar rirei sarcasticamente, ácido? Não! Acho que não...
Pego o cigarro olhando o horizonte, sorrio lembrando de uma velha propaganda de cigarros que passava nas madrugadas de antigamente. Tenho o mesmo olhar de vencedor, igual ao do garoto propaganda daquela marca de cigarro, que tragava a fumaça distraidamente olhando o horizonte como se o mundo fosse seu. Ao contrário dele dou uma tragada longa e duradoura para me despedir da vida e do mundo, nada mais é meu! Agora não importa se morrerei de velhice ou de câncer.
Fumo um maço de cigarros inteiro e abro um litro de cachaça, sorvo o líquido pelo gargalo, a água-ardente desce pela goela, queimando-a. Tenho que partir degustando os melhores aromas e paladares.
Olho pela janela e sinto vertigem, desta altura seria fatal; penso, mas desisto. Embriagado, ficarei dormente e anestesiado, não sentirei o meu fim. Eu não o verei, como também não vi a vida passar com seus passos ligeiros e os pés cheios de calos.
Eu que sou sujeito às sujeiras e calamidades contemporâneas, que me achava tão limpo, serei uma sujeira a emporcalhar as patinhas das baratas. Sinto minha consciência distante e pesada. Nocauteado pelo álcool caio pesadamente em minha cama. Restará o silêncio e a nulidade da vida.
Acordo suado e rançoso, a minha pele está curtida pelo álcool. O mundo acabou? Estou em outra vida? Como, se a outra é igual a esta? Os mesmos barulhos, os mesmos vizinhos. No 412 a mesma transa matutina. É, o mundo não acabou, o cometa não caiu, a flor não sumiu... A única tragédia que aconteceu neste dia treze de dezembro de dois mil e doze foi mijar na borda do vaso sanitário, mas como não sou casado, a tragédia vira apenas mais uma vez entre outras tantas. Acabo de urinar e me dirijo para sala, encho um copo de cachaça, jogo um gole no chão e penso:
– É, não tem jeito! Você vai ter que nos aturar por um bom tempo, ainda...

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Littera dura


Recebi um cartão postal. Era de Pasárgada, Cândida tem um ótimo senso de humor, vive a caçoar-me. Logo de cara percebi que era alguma brincadeira, quem manda cartão postal nos dias de hoje? Ninguém...
Este fato aumentou ainda mais a saudade que eu sinto pela Cândida, apesar de ser uma traça entendia mais dos meandros literários do que reles indivíduos pouco dados aos segredos da littera dura. É, meu caro, quão duro é escrever, ainda mais nesta terrinha, neste planeta, nesta galáxia... Mas o que poderei fazer? Os viventes de Kepler não vieram me abduzir... Devem ser inteligentes como nós, pobres energúmenos mergulhados em certezas.
Penso em Cândida todo santo dia, apesar de que o dia não é santo... O tempo... este só pode ser do coisa ruim! Mas voltando à Cândida, só ela que me dava o prazer de um texto ruminado, deglutido, degustado... Ela era tão dedicada à literatura.  Por que não estás a farfalhar meus escritos na gaveta, Cândida querida? Não sei ... Só sei que uma pobre croniquetinha que eu escrevi causou uma comoção, como é bom ser odiado, me dá um tesão... Uma poetitica disse que não escrevo crônicas, que não é real o que escrevo. Escrevo o quê então, templo sapiensal? Ai meu Deus, minha vida perdeu o sentido e não quero mais viver, vou me afogar num copo duplo de coca-cola light, pois quero ir pra terra dos pés juntos em boa forma, sou um galã à Don Juan, quem sabe, talvez na paz eterna arrumo umas amantes mais inteligente do que esta alface...
Toda esta comoção por causa de meu textículo... Ao invés de ela desvendá-lo carinhosamente, absorvendo-o com os seus lábios babados de más intenções... A pobrecita me vem com verossimilhança... disse que eu não escrevo sobre a verdade, mas que burra, ela acredita que há algo real no mundo... Ela deve ser uma destas que perseguem escritores empunhando sombrinhas futuca marido bradando furiosamente: “é real ou não?”. Cuidado, colegas, quando a virem, fujam todos, ela é portadora da gripe asnoína tipo um.
A pobre diaba crê que a crônica é tão real quanto o espelho dela. Ela não sabe que as fronteiras entre o real e o fictício são tão frágeis como um copo de cristal se espatifando no chão, e que o peido que ela solta pode causar um tsunami no outro lado do mundo, mas isso é uma teoria, nós é que vivemos no caos.
Agora vou para minha Pasárgada, meu Éden, vou-me para os braços de Brigite, a minha boneca inflável... Acabei de adquiri-la, em seus áureos braços esquecerei destes ignorant asinus, da Cândida... Com Brigite serei feliz.