sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Réveillon

     Mais um ano... Novas perspectivas (ou a falta delas). Dia de confraternização, de cidra, farofa, frango e maresia. Este é o réveillon, o dia em que a gente pensa que tudo vai dar certo, apesar das desgraças da vida. Momento em que pensamos que teremos um futuro melhor, apesar das trinta e seis parcelas do carro novo e do financiamento da casa própria, suaves prestações divididas em vinte cinco anos. Fora o vídeo game de última geração que você comprou no cartão para os meninos de presente de natal e que só pagará em Janeiro. Além de que as cidras com farofa e frango, deglutidas juntamente com a areia mijada da praia, são  resultado do corte de gasto imposto pelas dívidas na tentativa de ter um futuro melhor.

     Apesar de tudo, você não desiste, tudo depende de como você virar o ano. Leu em uma revista (uma dessas revistas idiotas que sua mulher lê) que se você virar o ano com a cueca da cor amarela, passará o ano com o bolso cheio de dinheiro. Abre a gaveta, só tem preta, amarela não tem. Outra vez o cartão para comprar a maldita cueca amarela e pra pagar só em Janeiro.

    Coloca a cueca, antes, porém, toma banho de arruda com sal grosso para evitar mal olhado. Lembra-se de colocar cinquenta reais no bolso da bermuda, assim, passará o ano todo com dinheiro. Pula as ondinhas como de costume e espera a contagem regressiva para a virada de ano. Tudo estava correndo bem, até passaram a mão na sua bunda... Tô até gostoso (isso porque a barriga está grande). Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. Virou.

    – Pô! Cadê meu cinquenta pila?

sábado, 24 de dezembro de 2011

NATAL

     Natal. Confraternização, família toda reunida em volta do peru que é o protagonista de toda a celebração da custosa ceia. Também pudera! Depois da vaquinha realizada por toda a família para adquiri-lo, todos querem pôr a mão no peru! Os olhos estão cheios de esperança na espera de um país melhor (claro! O leitor ainda acredita em papai Noel... Abestados! Criaturas que ainda penduram meias cheias de chulé na esperança que apareça notas de cem dólares, euros e o suado real. Antes dependurasse cuecas nas câmaras, lá o natal é sempre gordo).

     Os olhos percorrem do peru ao relógio. E essa meia noite que não chega! Pô! Tô na maior larica! To querendo comer esse peru e a farofa! Diz a filha adolescente. Os pais recriminam, falar assim no natal não, né?

     Enfim soam as doze badaladas e a família faminta avança desabestada em cima da vítima. Em apenas alguns minutos sobram apenas os ossos (restos mortais ou comensais?), obra digna de um aluno de anatomia peruana (?). Depois que o bucho tá cheio, todos correm para a mirrada árvore de natal para ver os presentes (a verdadeira essência cultuada no natal em nossos). Os gêmeos de dez anos (que não acreditam mais em papai Noel) olham odiosas para o carrinho de plástico. A filha adolescente ganhou calcinhas baratas para usar o ano inteiro. O pai, como o chefe da família, ganha meias novas para trocar aquela fedida que não sai de seu sapato. A mulher, como manda o figurino, ganha pratos.

     Todos vão para frente da tv assistir o “maravilhoso” especial de natal, odiando-se mutuamente. Êta espírito natalino...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O muro entre nós

Uma das características humanas que hoje mais se mostra nas facetas e máscaras sociais é a individualidade. Hoje deparamo-nos com o cultivo da individualidade em propagandas e até em discursos sociais, como: “cada um deve fazer a sua parte”, dizeres como esses se difundem em nossas esferas sociais e viram ideologia sem nem um pingo de reflexão, pois como cada um faz sua parte independente, se nós vivemos em uma comunidade biológica que seria a humana? Assim, fazer a minha parte é fazer a parte de ninguém, mas fazer a nossa parte seria o correto e o ideal para que as coisas dêem certo.

Vendo essa problemática da individualidade vemos também que as relações humanas se transformaram com o passar da carruagem. Dantes as pessoas se relacionavam diretamente umas com as outras, hoje se necessita de um aparelho eletrônico para se manter uma comunicação efetiva com os entes queridos, ou não (exemplos marcantes são os celulares e o computador com o advento da internet, que inundou as casas de informações e individualidade, pois hoje até para se relacionar amorosamente as pessoas usam os chats e outras ferramentas virtuais). Com isso as transformações sociais mudaram as relações humanas, deixando os indivíduos solitários em suas celas, sem direito a pão ou carne quente para se aquecer. Os indivíduos se castram mutuamente esquecidos de sua completude.

Umas das formas de separação do homem são os monstros de vidro e ferragens. Cada um em sua vida privada, segregada em sua mesquinharia. Dessa forma, os indivíduos são separados da condição de conhecer seus semelhantes, e de pisar a terra úmida pela chuva. As pessoas só conhecem o cheiro da oxidação da ferragem de seus apartamentos. As preocupações são muitas, o condomínio a pagar, o café a fazer, a vida a morrer, ou seja, um ser medíocre a espera de que o mundo acabe na ponta do seu umbigo. Outro fator que os distancia do mundo que os cerca é a mídia: propagandas, notícias de jornal que não informam nada. Dessa forma os sujeitos são separados da sua condição de organizar o seu futuro. Eles não têm nem presente, não sabem o que acontece a sua volta. Pois o grande erro de hoje é pensar que se tem acesso a tudo, mas não há acesso a nada. Somos seres estúpidos perdidos nas minúsculas letrinhas da propaganda de qualquer loja de roupa.

A individualidade então surge como um produto vendido para as pessoas, como uma forma de comércio. Pois a cada indivíduo castrado e separado há a venda de mais um produto para o bem estar social dos empresários e empregados. Uma geladeira a mais, uma TV, uma mulher nova a dar presentes no dia dos namorados (a maior prova de amor, consiste em dar um presente mais caro, o sentimento foi excluído), e as relações se baseiam nesse sistema de trocas. Você ama se você der o presente mais caro (poderíamos ser como os antigos japoneses que levavam em consideração o embrulho, pois era a atenção dedicada ao embrulho que mostrava o quanto a pessoa gostava daquele que iria receber o presente, aqui, caro leitor, usei LEVAVAM, para mostrar que com as novas formas de socialização imposta pelos senhores do capital, até os japoneses já devem ter se adaptado na nova forma mercantil de amar).

Os indivíduos atualmente não sabem os primeiros conhecimentos sobre as relações de amor, só sabem que querem ganhar prazer, sexo, dinheiro, beijos. Não sabem compartilhar nada. Vivemos em um mundo dividido por um muro invisível entre os seres, cada um com o seu, nem o muro que nos separa queremos dividir.

 





terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Descamisado


Desde criança dedicou a sua vida à escrita. Queria ser autor. Sua família, como manda o figurino, falava “filho largue estas folhas, isso não dá camisa”. Ele, confiando na sua propriedade linguística, abdica da vida mundana como um monge beneditino (mas daqueles que às vezes fogem da regra religiosa e dão uma “fugidinha” com alguma “irmã”), se retrai em seu mundo particular para escrever.   
Como dizem que praga de família pega e vira sarna, ele vira um escritor descamisado. Alguns falam que isso é falta do que fazer, mas ele acredita na sua arte. É adulto, vende a casa que os pais tinham deixado como herança, aliás, o único bem que possuía. E com muito esforço publica o primeiro livro, quatrocentas cópias de papel amarelado e capa encerada. Seu primeiro fracasso como um autor, que poderíamos dizer, literário (afinal, literário é aquilo que não vende e que só as traças gostam de deglutir). Ao fim, vende apenas dez exemplares.
Começa a viver na casa de amigos, de favor, é claro. Como mandava a regra dos jovens escritores, se entrega a uma vida devoluta impregnada de lascívia. Contrai indeterminadas doenças, as mulheres de seus amigos, por sua vez, solicitam que o mandem embora. Como um nômade ele passa de casa em casa até parar na rua vendendo latinhas para sobreviver e escrevendo seus textos nos versos de papéis usados (tanto chamex, quanto higiênico, acabando, portanto, na merda literalmente).
Fica tuberculoso, morrendo aos vinte e quatro anos. Dois anos após a sua morte, acaba sendo resgatado pela comunidade acadêmica, virando um gênio da escrita. Seus livros vendem milhões, apesar de ter sido enterrado como indigente sem direito a caixão. Vinte anos após, é o escritor do século, o melhor, já que morrera de fome.
Se ele soubesse que um fim dramático resultaria no êxito editorial, o próprio caminharia até o chafariz da praça, cortaria os pulsos com cacos de garrafa e morreria calmamente observando a lua cheia (deve ser nessas características devido ao padrão estético). Ao seu lado se encontrariam seu último romance e uma autobiografia, já anexado o seu fim dramático, deixando a lição: Se queres ser lido, corte os pulsos.